Fonte: Valor Econômico – 30 de agosto de 2013
Luiz Fernando Visconti

 

O Brasil tem se consolidado não apenas como uma das maiores economias do mundo, mas também como uma nação que tem buscado, democraticamente, a solidez das suas instituições, a segurança jurídica, o respeito aos contratos e à propriedade privada.

Não é por acaso que o país passou a ser considerado uma boa opção para os negócios em muitos ramos da atividade econômica.

Isso não é diferente quando o assunto é mineração. Empresas para cá vieram com o intuito de desenvolver as suas atividades, sabendo exatamente quais seriam as regras aplicadas ao setor. Um dos pontos positivos sempre foi uma legislação minerária madura, o que resultou no aumento da relevância da indústria mineral.

O que se verifica é a exacerbação do poder discricionário e do caráter arrecadatório do Estado

Os profissionais do setor passaram a ter as suas atividades reconhecidas e um alto grau de empregabilidade, apesar de o Brasil enfrentar sérias travas ao seu crescimento, devido à falta de investimento em infraestrutura, na formação de mão de obra qualificada e da alta carga tributária.

Caso o chamado Novo Marco da Mineração seja aprovado tal como foi proposto, isso, em breve, será coisa do passado.

Por impulso governamental, um mantra passou a ser repetido: “O Código atual (de 1967) é obsoleto, foi idealizado em outro regime (o militar), em outra realidade econômica, favorece a especulação e restringe a competitividade”.

A partir daí o governo anunciou um projeto que traz, em suas diretrizes, objetivos que não são refletidos no seu corpo.

Afinal, o atual Código está, de fato, obsoleto? O Novo Marco representa “progresso” e “avanço”?

É necessário cuidar para que não haja um retrocesso.

De fato, a atual legislação data de 1967 e foi elaborada em outro momento histórico-econômico, mas passou por mudanças em 1996 e poderia sofrer ainda outras. Daí a pretender alterar todo o ordenamento jurídico são outros quinhentos.

E por falar em quinhentos, segundo dados do Ibram (Instituto Brasileiro de Mineração), entre 2001 e 2011 a produção mineral no Brasil cresceu 550%, partindo de US$ 7,7 bilhões para US$ 50 bilhões. Dados oficiais informam que o setor representa cerca de 5% do PIB brasileiro e quase 30% da balança comercial brasileira.

Importante notar que isso foi alcançado com base na atual legislação. Será, então, que ela estaria obsoleta por ser antiga, ou justamente pelo seu tempo em vigor demonstraria maior estabilidade?

Considerando os gargalos da atividade econômica (o chamado custo Brasil), não é necessário rasgar tudo o que foi construído, que beneficia o empreendedorismo e a coragem, para criar regimes nunca vistos em países desenvolvidos e com tradição mineral e democrática.

O Congresso Nacional tem pela frente um enorme desafio e deverá perceber que o Novo Marco pretende, silenciosamente, minar garantias fundamentais construídas ao longo da democracia brasileira.

Um exemplo disso consta das regras de transição. A leitura desavisada do caput do artigo 45 poderia causar a falsa impressão de que as concessões já outorgadas e os manifestos de mina, que integram a propriedade privada do seu detentor, seriam preservados. Entretanto, o parágrafo 2º do mesmo artigo dispõe que a prática de atividades corriqueiras na vida de qualquer empresa representaria a efetiva perda de direitos adquiridos, garantia prevista constitucionalmente.

Isso configura inconstitucionalidade, por representar o salvo conduto para uma verdadeira usurpação da propriedade privada e de direitos adquiridos, sem falar no empecilho à atividade empresarial. Ou bem a empresa decide manter seus títulos minerários, restando impossibilitada de praticar simples atos, tal como redução de capital, ou perderá o que lhe é de direito, sem justa indenização.

Não bastasse, o governo passou a suspender as outorgas para pesquisa e lavra há quase dois anos. Isso ocorreu da noite para o dia, sem justificativa nem amparo legal. Há poucos meses uma ou outra portaria de lavra passou a ser outorgada, mesmo assim, mediante a assinatura de termo inovador.

A impressão é que isso não representa avanço. O Brasil não é afeito a ideais antidemocráticos.

Vale observar que o projeto de lei tramita em regime de urgência, o que é extremamente prejudicial, uma vez que a magnitude das mudanças propostas exige debate e reflexão. Felizmente, a comissão especial criada na Câmara dos Deputados está percorrendo o país e realizando audiências públicas em diversos Estados e na própria Câmara.

Pode-se destacar como pontos positivos do marco a existência de um título único para a realização de pesquisa e de lavra, a criação da Agência, desde que dotada de estrutura, pessoal e orçamento adequados ao seu ótimo funcionamento e a criação do Conselho, caso realmente tenha autonomia para assessorar o presidente na definição de diretrizes, visando o planejamento da atividade.

Mesmo assim, é difícil encontrar grande avanço no projeto de lei frente à atual legislação. O que se verifica é a exacerbação do poder discricionário e do caráter arrecadatório do Estado, além da supressão da democracia.

O governo pretende se notabilizar como agente de grandes modelos de infraestrutura, mas é preciso fazê-lo em conjunto com o setor, o que não representa demérito. Ao contrário, demonstra sabedoria.

A legislação proposta gera insegurança e afasta investimentos, diminui receita e os índices da balança comercial, do PIB e da taxa de empregabilidade, além da redução da concorrência.

É importante que os congressistas trabalhem para retomar o curso. O Brasil é um dos líderes no setor pelo seu vasto território, pela sua pujança econômica e social, pelas riquezas minerais que possui e pela sua consolidada legislação.

Mas isso não basta. É imperioso que o país demonstre ser uma democracia estável econômica, política e juridicamente.

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