CFEM: vamos matar a galinha dos ovos de ouro?

 

No último mês de julho o governo federal enviou ao Congresso Nacional três medidas provisórias com o objetivo de modernizar o setor mineral. São elas a medida provisória (MP) no 789/2017, que trata de profundas alterações no regime dos chamados royalties da mineração, a Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (CFEM), a MP no 790/2017, que altera dispositivos do Código de Mineração (decreto-lei no 227/1967) e a MP no 791/2017, que cria a Agência Nacio- nal de Mineração (ANM) e extingue, por consequência, o Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), autoridade reguladora da atividade de mineração.

Existem pontos positivos nas medidas, entretanto, como não poderia deixar de ser, nem tudo são flores. Algumas das mudanças podem impactar negativamente a atividade de mineração no Brasil, notadamente quanto às regras da CFEM.

Certamente as profundas alterações rela- tivas à CFEM são polêmicas, seja pelo aumen- to considerável dos custos para as empresas, seja pela via escolhida (medida provisória).

A CFEM, chamada de royalty da minera- ção, é uma receita patrimonial adicional, que é direcionada majoritariamente aos municípios em que as jazidas são localizadas (65%). É um recurso financeiro importante que pode gerar investimentos em prol da população local e

ganhos sociais significativos. Considerando que as jazidas, em sua maioria, estão em localidades com poucos recursos e de baixo desenvolvi- mento econômico, os royalties podem trazer desenvolvimento expressivo à região.

A exposição de motivos da MP no 789/2017 faz referência ao PL no 5.807/2013 (o Chamado Novo Marco da Mineração), que também tratava do tema. O atual go- verno menciona que, à época, as alterações propostas foram ambiciosas e que a situação econômica vivida no Brasil era outra: mais promissora e com o mercado da mineração em alta. O momento atual, por outro lado, é diverso, visto que o Brasil enfrenta crise econômica e política, acentuada queda nos investimentos, além de uma crise internacional no setor mineral.

Em razão disso, a referida exposição de motivos da MP 789/2017 dispõe que, dentre os objetivos das alterações propostas encontra-se a elevação estimada na arrecadação de CFEM em aproximadamente 80%, o que seria urgente devido ao “cenário fiscal desafiador por que passa o País”. Além disso, um dos argumentos do governo é que o Brasil possui alíquotas baixas de royalties em comparação a outros países produtores.

O objetivo do presente texto é fazer o seguinte questionamento: o aumento de encargos, neste momento delicado, atingiria o seu objetivo, ou iria sufocar ainda mais as empresas do setor?

Para que a pergunta seja respondida é importante fazer uma avaliação do todo, ainda que de forma breve. A propósito, esta observação é primordial quando se pretende definir ou alterar políticas públicas.

Com base em dados oficiais, analisaremos os seguintes pontos: (i) o cenário brasileiro e global do setor mineral; (ii) o chamado Custo Brasil (custo com que a iniciativa privada instalada no Brasil arca em termos de sistema tributário complexo e elevado, burocracia ex- cessiva, alto custo trabalhista), conforme rela- tório publicado pelo FMI em 2015 (Filling the Gap: Infrastructure investment in Brazil); (iii) nível de infraestrutura; e (iv) qual a posição do Brasil no índice global de competitividade elaborado pelo Fórum Econômico Mundial (The Global Competitiveness Report 2016- 2017 – World Economic Forum).

Não é novidade para ninguém (nem para o governo) que o setor mineral vem passando por uma crise global há alguns anos. Adicio- nalmente, no Brasil, vive-se uma forte crise econômica. Há que se discutir se este seria o melhor momento para onerar ainda mais o setor produtivo mineral.

A cesta de produtos minerais exportados pelo Brasil em 2016 representou US$ FOB 21,6 bilhões, conforme dados do IBRAM (Relató- rio Anual – julho 2016 – maio 2017). Ainda segundo a publicação, a produção mineral apresenta tendência de estagnação desde o ano de 2015:

Segundo o Informe Mineral do segundo semestre de 2016 do DNPM, a indústria ex- trativa brasileira apresentou queda de 9,4% em 2016, quando comparada com 2015. Um quarto da capacidade instalada de produção mineral no Brasil permaneceu ociosa no ano passado, o que pode indicar dificuldades do setor, como menor demanda do mercado ou atrasos na obtenção de licenças. O DNPM observa, ainda, que desde o primeiro semestre de 2014 o país apresenta perdas no estoque de trabalhadores do setor mineral.

Além disso, segundo relatório do FMI acima mencionado, em comparação com países concorrentes na produção e na venda de minérios (Austrália, Canadá, África do Sul, China e Rússia), o Brasil encontra-se em uma das últimas posições de qualidade e quanti- dade de infraestrutura, especialmente no que diz respeito a ferrovias, rodovias e portos. Vale observar a figura a seguir, extraída do referido relatório:

Levando-se em conta que logística é fun- damental em qualquer projeto de mineração, especialmente considerando as dimensões continentais do Brasil, é elevado o custo com transporte em comparação aos nossos competidores.

Por fim, mas não menos importante, vale observar recente estudo feito pelo Fórum Eco- nômico Mundial (The Global Competitiveness Report 2016-2017 – World Economic Forum), onde foram avaliados 138 países, dentre eles, Canadá, Peru, Austrália e Chile, nossos conhe- cidos competidores no setor mineral.

A metodologia do trabalho foi a captura de 114 indicadores, agrupados em 12 pilares e três grupos, por meio de dados estatísticos de organizações internacionais (UNESCO, FMI, Banco Mundial, dentre outras), bem como por coleta de informações via survey.

O Brasil ocupa a 81a posição, sendo desta- cados como fatores mais problemáticos para se fazer negócios no país os elevados custos tributários, a complexidade de sua regulação, a burocracia governamental ineficiente e a instabilidade das políticas públicas:

Observados os dados apresentados, é forçoso chegar à seguinte conclusão: As altera- ções promovidas na CFEM podem (e devem) impactar negativamente o setor mineral em termos de custo e de competitividade.

Afinal, o objetivo é atrair ou afastar investimentos?

Seria positivo parar de enxergar a atividade de mineração pelo viés meramente arrecada- tório e fiscalizatório. Tal ótica não é recente. Desde 1698, quando Antonio Dias de Oliveira “descobriu” as minas de Ouro Preto, a maior preocupação do Estado sempre foi a arrecada- ção. Portugal sempre tratou de supervisionar e fiscalizar diretamente a atividade, retirando seu percentual pela exploração mineral, sem nunca atentar para o aperfeiçoamento e o enriquecimento técnico da atividade.

Ao analisarmos o principal propósito do governo federal quando do anúncio das três medidas provisórias, qual seja, revitalizar o setor mineral por meio de modernização da legislação e adoção de práticas mais adequadas ao que é feito em outros países, é certo que a criação da Agência Nacional de Mineração e algumas das alterações propostas ao Có- digo de Mineração (especialmente quanto à manutenção do Princípio da Prioridade) são consistentes com a intenção, entretanto, temos certa dificuldade em conciliar essa louvável ideia com as profundas alterações trazidas pela MP da CFEM.

Talvez, como sugestão, o repasse sem contingenciamento da arrecadação da CFEM que é destinada por lei à autoridade minerária (ANM) e a fiscalização dessa verba no âmbito municipal são medidas que podem trazer mais benefícios aos municípios produtores do que o mero aumento da base de cálculo e das alíquotas.

Há que se observar que as MPs entraram em vigor a partir da data de sua publicação, em boa parte das alterações propostas, e outras entrarão em vigor em momentos pos- teriores, entretanto, elas têm um prazo de vigência de 60 dias prorrogáveis por mais 60, a contar da sua publicação no Diário Oficial da União, conforme previsto no artigo 62 da Constituição Federal. Durante esse período, os temas serão debatidos em ambas as casas legislativas (Câmara dos Deputados e Sena- do Federal). Até o último dia 7 de agosto, prazo final para apresentação de emendas, foram apresentadas 492 emendas às medidas provisórias. Se até o término dos 120 dias as medidas não forem convertidas em lei, elas perderão sua eficácia e as alterações nelas propostas não serão incorporadas ao mundo jurídico.

Este período, portanto, é importantíssimo para que toda sociedade apresente os seus pleitos, reclamações e expectativas, de modo a convencer, ou não, os tomadores de decisão.

Por outro lado, este também é um período de incertezas, eis que as propostas podem sofrer alterações profundas ou, então, perder a sua eficácia.

Imaginemos o problema de planejamento de custos das empresas, uma vez que as al- terações trazidas pela MP da CFEM impac- tam diretamente nos custos da operação e já estão em vigor, em sua maioria desde 1o de agosto e afetam o orçamento elaborado há meses.

Mineração é uma atividade de interesse público e fundamental para vida na sociedade moderna, além de ter grande importância na economia nacional, gerando entre 180 e 200 mil empregos diretos.

As riquezas minerais simplesmente man- tidas onde estão (solo ou subsolo) não trazem nenhum benefício à sociedade brasileira, nem ao Brasil. A pesquisa e a exploração mineral geram uma cadeia produtiva enorme, que exige altíssimos investimentos, apuradas pesquisas, alto grau de tecnologia e promove empregos diretos e indiretos, circulação de riquezas, relevante índice na balança comer- cial, além do desenvolvimento local, regional e nacional.

Roga-se que os legisladores tenham a clareza necessária para debater o tema de forma responsável com o intuito de fomentar o desenvolvimento da indústria mineral bra- sileira, que é absolutamente relevante para o desenvolvimento nacional.

Contos e fábulas que ouvimos desde a tenra infância podem e devem servir de aprendizado. Afinal, matar a galinha dos ovos de ouro nunca foi uma sábia decisão.

*Luiz Fernando Visconti

BRASIL MINERAL – no 374 – Setembro de 2017